Enquanto a vida passa, o tempo voa, escorre como água em uma cachoeira. No decorrer deste tempo vivemos, morremos, choramos, sorrimos, perdemos e ganhamos inúmeras coisas. Objetos se tornam valiosos, pessoas se tornam valiosas, nossos animais de estimação e até estranhos ganham seu devido valor.
O valor que é dado a algo ou alguém é do tamanho do amor que sentimos por aquilo que é desejado. Se não desejamos do fundo de nossa alma, não amamos e logo, se não amamos, não damos o valor que devia ser dado por nós. A atenção que deveria ser voltada ao cuidado, carinho e compreensão daquilo que amamos não toma seu devido lugar e, acontecendo isto, a frustração de perder algo valioso é enorme, às vezes maior do que o sentimento da perda.
Perder é doloroso, é ruim. A tristeza traga nossa força e só temos ânimo para lembrar do que amamos muito, e mais nada. Cada lugar, cheiro, sentimento e pensamento nos levam para o mesmo lugar que estávamos a dias, semanas, anos ou décadas atrás, somente para relembrar os momentos que mais marcaram nossa mente, alocados na nossa memória que vez ou outra nos faz intensamente lembrar do que unicamente vivemos.
Hoje perdi um grande amigo. A porta de entrada onde ele dormia, o terreno livre onde ele vagava, o terraço frio que ele esquentava, o lugar onde nenhuma pessoa desconhecida podia chegar perto quando ele estava - o nosso lar, tudo me faz lembrar dele. Foram 16 anos da minha vida acompanhado por um excelente amigo, que cuidava de mim todas as noites vigiando minha casa, dando-me a alegria de olhar um ser tão majestoso e tão tranquilo como era. Ele podia não ter FGTS e INSS em dia, nem férias ou décimo terceiro salário, nenhum direito trabalhista, mas ele já tinha a carteira assinada no meu coração desde seu primeiro dia de vida, com aqueles pêlos branquinhos contrastando com aquele fucinho preto.
Eu nunca conheci um amigo tão fiel que esteve comigo quando terminei o ensino fundamental, o ensino médio, passei no vestibular, terminei minha graduação e entrei em um mestrado. A presença dele era sempre tão constante em minha vida que diversas vezes nem lembrava dele. Era tão comum olhá-lo que me acostumei com sua "branqueza" e companhia na minha vida. É certo que ele era bravo com estranhos, porém com quem ele conhecia era docinho, docinho. Eu gostava mesmo era de fazer cafuné na cabeça grande dele e coçar a barriga dele, que era para ver se acalmava aquela doce fera e também porque ele gostava.
O tempo passou e eu vi a velhice o atacando e consumindo o seu fôlego de vida. Ele lutou e resistiu bastante a todas as adversidades da vida. É certo que ora ou outra ele reclamava por liberdade e várias vezes a obtinha e quando a tinha saia correndo feliz, como se fosse a primeira vez que colocava suas patas no chão e inclinava o seu corpo para correr.
O choro por sua ida é um choro doído, um choro contido, mas um choro vivido, pois vivera bastante durante suas quase duas décadas de vida. Várias vezes ele deve ter me ouvido brincar, praguejar, pestanejar, conseguir, desistir, viver bem ali, do outro lado da parede. Observava todos os dias a nossa vida corrida, sofrida, muitas vezes sem sentido, sem destino. A vida dele em muitos momentos teve mais sentido que a minha: "Eu nasci para defender este terreno do mal, para defender a minha família.", talvez "pensava".
O fato é que sua morte me fez lembrar de vários momentos maravilhosos que passei na minha vida. Para mim, apesar de não ter uma inteligência como a humana, será sempre um professor e sei que sempre me ensinara algo quando lembrar do meu grande amigo e protetor.
A verdade é que nunca pensei que um animal fosse me dar tantas boas lembranças. Eu só espero que ele tenha se sentido amado por mim, por todas as vezes que dei algo para sua alimentação, ou todas as vezes que tirei ele do chão frio e coloquei ele em um lugar mais quentinho. Espero que ele tenha "percebido" o quanto me importava com ele e o quanto sofria quando o via sofrer. Podia ter sido melhor com ele, mas isso de maneira alguma anula o amor que sempre senti por ele. Só agora vejo o tanto que o amei.
Hoje, assisti Marley e Eu em homenagem a este bom amigo. Ele parece bastante com o Marley.
A Max ou "Macão", meu cachorro, companheiro e amigo.